Perspicácia de torcedor

Ser “torcedor de sofá” não é tão emocionante como ser "torcedor de estádio". Entre ambos há um grande abismo chamado emoção. Não quer dizer que ver um jogo pela TV ou ouvir pelo rádio não seja emocionante – isso depende de qual emissora você escolhe, é claro -, pois o futebol já é emocionante por definição. No entanto, um Estádio de futebol, em dia de jogo, ainda mais se for uma partida decisiva ou um clássico, reserva emoções imprevisíveis e impagáveis.


Dia 15 de Abril, quinta-feira, Estádio Palestra Itália. Oitavas-de-finais da Copa do Brasil 2010. Palmeiras Versus Atlético Paranaense. Lá vou eu para o Palestra. Ir ao Estádio, até 2009, não era uma prática corriqueira, mensal, tampouco anual na minha vida. Na verdade, desde que nasci, só fui a um Estádio de futebol umas 3 vezes e em 2009 completou-se 14 anos da minha última ida. (meu último jogo tinha sido pela Copa São Paulo de futebol Júnior, em que o Palmeiras enfrentou o Grêmio no Pacaembu. Nem me lembro o resultado.)


Éramos três palestrinos. No entanto, somente eu e um amigo da faculdade tínhamos ingresso. O outro amigo, advogado, deixou pra comprar em cima da hora - queria ver se fosse um prazo processual, cazzo! Pra não deixar um amigo na mão, afinal somos palestra e jamais abandonamos nossos amigos, decidimos pegar a fila das bilheterias com ele. Chegamos às 18h30 e o jogo começaria às 19h30. A fila não estava tão grande, contrastava com a Avenida Matarazzo lotada de Palmeirenses; o clima era maravilhoso e tudo ia muito bem. Porém, “surpreendentemente”, a demora da fila fez com que perdêssemos o início do jogo, e o bendito do Robert (nosso atual R9.rs) resolveu fazer um gol no começo do jogo, se não me engano antes mesmo dos 30 minutos do 1º tempo. Não conseguimos ver. Só deu pra ouvir o narrador, pelo rádio, aos berros de gol e a explosão da torcida. Tudo bem, palmeirense comemora gol em qualquer lugar. Começamos a nos abraçar, até com quem não conhecíamos, mas Palmeiras é família, que se dane o conceito de desconhecido. Por fim, a fila andou e conseguimos comprar o ingresso.


Nós, eu e o amigo da faculdade, acabávamos de sair dos nossos respectivos estágios, de mochila nas costas e com alguns livros. Eu só não contava com a recompensa da minha ingenuidade: quando da revista policial, um soldado achou os livros na minha mochila e disse que eu não poderia entrar com aqueles volumes. Aí já viu né. Pirei. Logo quando o PM me avisou que eu não poderia entrar, já engatilhei a pergunta: qual a Resolução que não permite a entrada de livros aqui? – comecei a argumentar, metido a jurista, sabe? Não é a primeira vez que venho com livros e sempre pude entrar. De repente, uma policial interveio na conversa (acho que ela estava só esperando um universitário revoltadinho pra meter os dois pés no peito do infeliz) dizendo haver uma Resolução Estadual e que um artigo do Estatuto do torcedor reza sobre o impedimento - lembrei que tinha lido sobre isso certa feita. Enfim, encolhi o rabinho entre as pernas, e comecei, junto do amigo advogado, a procurar lugar pra guardar os volumes - meu amigo de faculdade conseguira a proeza de entrar com seus livros.


Tentamos numa Guarita junto de um portão do Palestra e nada...num estacionamento e nada...num Supermercado dentro do Shopping do lado do Estádio e nada. O jogo ia rolando enquanto éramos consumidos pela angústia, em busca de um lugar pra guardar os livros. Mas, brilhantemente, lembrei do bom e velho "achados e perdidos" do Shopping. Não sei você, mas eu nunca precisei de um. Não vou ao Shopping pra frequentá-lo. Aliás, nem um louco sente prazer em frequentar o "achados e perdidos", não é?


Pois é, dessa vez fomos salvos pelo "achados e perdidos". Ainda não sabíamos bem o que fazer, quando encontramos um segurança do Shopping e pedimos que nos levasse até o "salvador da noite". Depois de passar por um labirinto meio sinistro, conseguimos chegar ao nosso porto seguro da noite. O segurança acionou uma campainha, conversou com uma outra voz, que do outro lado falava, e logo perguntou: o que vocês perderam? Na mesma hora engasgamos. Alguns instantes em silêncio e o segurança reiterou: vocês acharam ou perderam? Pra entrar é preciso dizer. Na mesma hora fui alcançado por um lampejo celeste, daquelas ideias que parecem terem vindas quentinhas do céu, sabe? De bate - pronto - ao bom estilo artilheiro -, respondi: Nós achamos! Achamos três livros. Imediatamente o segurança repassou a informação, a porta se abriu e o responsável pelo departamento saiu ao nosso encontro. Perguntou onde havíamos achado. "Na Praça de Alimentação", respondi. Em seguida ele perguntou se não havia nenhum valor econômico dentro dos livros e se havia algum contato que poderia ser do dono, mas imediatamente o tranquilizamos: Já verificamos! Não há dinheiro, tampouco contato. O homem sorriu, pegou os livros e disse um tranquilizador “tudo bem, obrigado”.



Que alívio. Saímos de lá com o coração acelerado, apertamos o passo e voltamos ao Estádio. Chegamos nas catracas do Palestra e a mesma PM abriu um sorriso, dizendo em seguida: que bom que acharam um lugar! Sorrimos, passamos pela revista e prosseguimos. Acabara de começar o segundo tempo, a torcida vibrava muito - nosso hino não mente. Curtimos o jogo, ou melhor, o segundo tempo do jogo. Mas enquanto o fim do jogo ia chegando, uma certa preocupação ia me vencendo: será que conseguiremos pegar os livros de volta?



O jogo terminou. O Palmeiras ganhou do Furação por um tento a zero. E a ideia para o resgate já estava na marca da cal, esperando por um bom chute (diferente dos que vimos na quarta, dia 05, contra o Atlético-GO, quando perdemos 4 pênaltis e do pênalti que o nosso R9 perdeu no sábado passado, dia 8 de maio). Combinamos com o meu outro amigo, o parceiro de faculdade, que ele ia ao Shopping, procuraria o setor de "achados e perdidos" e pegaria três livros, nas respectivas cores: vermelho, preto e laranja. Chegamos ao Shopping e enquanto ele ia procurar um segurança, nós subíamos à praça de alimentação - combinamos de nos encontrar lá.


Meu amigo não demorou muito. Vê-lo com os livros debaixo do braço foi aliviante. Disse que, devido a genialidade da operação, ficou tão empolgado que até fez cara de choro para o cara do "achados e perdidos". Pois é, toda a trama deu certo. Fui tomado por um grande alívio. Em homenagem à brilhante idéia e, lógico, à vitória de nostro Palestra, tomamos um saboroso Chopp, acompanhado de muitas risadas.


Nunca mais vou ao Estádio com livros na mochila, mas essa foi, até agora, uma das melhores experiências que já vivi num Estádio de futebol. O saldo foi bom: não deixei um companheiro na mão, aprendi o que não se deve levar ao Estádio de futebol e usei, ineditamente, o "achados e perdidos" de um Shopping.


Fica a lição: pra ser torcedor de Estádio, não se pode ser ingênuo ou desapercebido, mas, entre outras coisas, perspicaz. (ah, bancar de jurista, sem se precaver, também não é uma boa ideia.rs)


Sempre contando com a Grazia di Dio e com a benedizione de San Genaro, dale Porco!

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